OS GAYS TAMBÉM TÊM DIREITO DE AMAR.




Domingo passado, no semanal almoço de família, um primo me disse:
“O problema dos gays é que eles são todos promíscuos”. 
Respirei fundo – da forma como aprendemos a fazer para aguentar almoços familiares – e perguntei com quantas prostitutas ele já tinha transado.
Ora, eu o conheço há muito tempo e cresci ouvindo suas histórias sobre as meninas que pegava ali, sobre as surubas que fazia dacolá. Na sua juventude, quando ligávamos o seu computador, nos deparávamos com um papel de parede de uma mulher pelada numa posição pouco convencional. Há muitos anos, ele me levou num show de sexo ao vivo num SexShop em Copacabana e, na mesma época, prometeu-me não sei quantos reais se eu transasse com a empregada da casa da minha mãe.
Essa mesma pessoa, hoje um pai de família, vem me dizer que os gays são promíscuos. Bom, não falo por todos, mas  eu  nunca transei com garotos de programa, nem participei de surubas. Não sou santo... Graças a Deus! E nem quero recriminar as pessoas que tem vários parceiros, cada um transa com quem e com quantos quiser... o que me irrita é a hipocrisia!
Ser ou não promiscuo não tem a ver com ser gay. O buraco (sem trocadilhos audaciosos) é muito mais embaixo.
Para justificar seus argumentos preconceituosos, ele ainda disse que a AIDS matou gays nos anos 80 por causa da promiscuidade dos homens gays.
Vamos resolver essa história de uma vez por todas? 
Sim! A AIDS matou muitos gays. Mas não foi a promiscuidade que fez a doença devastar uma geração inteira de gays. Foi o preconceito! Foi a homofobia!
Quem viveu naquela época lembra como os gays “aidéticos” eram tratados. Um estigma que até hoje lutamos para fugir! Eles eram isolados, mal tratados, morriam na obscuridade, na solidão e, muitas vezes, sem qualquer contato com a família.
Muito pouca gente se importou com a AIDS no início dos anos 80, porque a doença era dita como câncer gay. E, ora, quem se importava com os gays? 
Cruelmente, os governantes não investiram em pesquisas, em tratamentos, porque quem morria... já estava morto socialmente há muito tempo.  
E isso não tem nada a ver com ser promíscuo.
Apenas quando a doença rompeu as barreiras da homossexualidade e começou realmente a matar heterossexuais é que todos começaram a se importar com ela. E dinheiro foi investido em medicamentos, tratamentos, na busca da cura e na diminuição do estigma da doença. Afinal, os héteros não queriam ser condenados pelos mesmos preconceitos que impuseram aos gays.
O tabu sobre a promiscuidade gay vem de uma incapacidade que as pessoas tem de lidar com o fato de que gays fazem sexo, se amam, se beijam. A sociedade sempre precisa macular, manchar e sujar de todas as formas possíveis o amor e o sexo gay. 
Certa vez uma amiga minha, que é evangélica, ficou chocada quando comentei que meu namorado também era da sua igreja.
“Não pode! Ele não pode ser evangélico e namorar com outro homem”, ela me disse.
Imediatamente eu lembrei daquela ministra se vangloriando, no famoso vídeo, de amar os gays. “Os evangélicos são as pessoas que mais resgatam, cuidam e aceitam os LGBTs”, ela falou algo mais ou menos assim.
Podem até aceitar... desde que eles não tenham namorados, não se beijem, não pratiquem sexo. 
Eles amam os gays castrados! 
É por isso que há sempre tanto tabu envolvendo os beijos gays das novelas. Sempre houve gays em telenovelas, filmes e peças... mas eles sempre foram proibidos de transar... de beijar... De amar!
O gay castrado povoa nossa cultura.
“Eu não sou homofóbico, eu gosto de gays... até conheço alguns” ou “Eu adorava aquele personagem gay da novela”, é o que tanto eles dizem.
Os gays podem – sim! – existir na mídia, desde que sejam afetados, engraçados... e não façam amor ou sejam nossos filhos. 
De vez em quando um homofóbico dispara: “eu não tenho nada contra o beijo gay, na verdade eu não me sinto bem com  ninguémse pegando perto de mim, nem mesmo os casais héteros”. 
É só entrar num cinema, no entanto, para ver casais heterossexuais de mãos dadas, sentados em cadeiras unidas, trocando beijos de amor em cenas românticas. Mas quantos gays você vê fazendo a mesma coisa? 
Porque nós gays sabemos que as pessoas não nos hostilizam apenas quando estamos “quase transando” ou “nos pegando” em locais públicos. Elas nos hostilizam pelo mais simples toque da mão. Pelo mais singelo e romântico beijo no rosto.
O gay castrado é uma figura tão presente no nosso mundo que achamos normal dizer “você pode ser gay, só não precisa parecer” ou “eu sei que ele é seu namorado, não precisa demonstrar”.
Sei que é muito difícil sair da posição privilegiada e pensar um pouco na dor do oprimido. Mas, antes de falar, pense em todas as pessoas com quem você já transou na vida... e, depois, pergunte-se: se fosse um gay, eu sairia por aí dizendo que ele é promíscuo? 
Lembre das vezes nas quais você fez sexo com seu amor, seu marido, seu namorado...  foi nojento?  Então por qual razão você acha sujo o sexo entre iguais?
A promiscuidade do homem gay difere muito pouco da promiscuidade do seu pai, do seu irmão, do seu filho, do seu marido... dos homens em geral que, por gerações, foram perdoados pela genética do machismo que diz que “homens são assim” e faz com que, até hoje, pessoas digam “meu filho vai ser mulherengo” ou “tranquem suas porteiras porque meu filho macho está solto”. 
Se nós gays somos tão promíscuos e sujos, por que batem palmas para a promiscuidade heterossexual?
Dizer que gays são promíscuos ou que a AIDS os matou por causa disso, na verdade fala pouco sobre os gays e demais sobre a homofobia que habita as pessoas.
Portanto antes de abrirem a boca, pensem nas suas próprias ações. Se a promiscuidade é tão ruim, comece acabando com ela em você mesmo. E parem de aceitar apenas gays castrados. Nós temos direito ao amor e ao sexo assim como você, mesmo que sua homofobia não queira permitir.

SAULO SISNANDO
e-mail: saulosisnandoescritor@gmail.com

05 de abril de 2019

*Neste blog e nestes textos, eu estou falando de mim e sobre ser um homem gay. 
Sei que a questão LGBT+ e das demais minorias é plural, por isso sou tão pessoal aqui. 
Espero que outras pessoas se identifiquem, mas entendo aquelas que viveram outras histórias, outras dores, outras guerras.
Estou falando de um tema, mas não ouso falar por todos.
Comentem abaixo, curtam minha página no facebook ou me escrevam.

Foto: AdobeStock

Comentários

  1. Meus parabéns pelo texto; lembro muito bem da epoépda "peste gay" por volta do fim dos anos 70 e.meados de 80 quando cheguei a trabalhar com algumas pessoas soropositivas - eu colhia sangue para análise.
    Se me permite: tanto heteros quanto homossexuais devem apresentar um padrão social condizente. Creio - e já li a respeito - que um par de homossexuais eduque seus filhos do mesmo jeito - ou ate melhor, diga-se de passagem - que os heteros e queiram também que sejam cidadãos respeitados e respeitáveis.

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  2. Achei o máximo seu texto li e adorei as pessoas tende a socar o dedo na ferida dos outros mais quando está na sua pele elas se defendem e querem ser aceitas por tanto vamos ser mais amor do q ódio direitos iguais a todos os seres humanos❤❤❤

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  3. Nossa meu amigo, ainda bem que me dei este tempo para ler teu blog. Fiquei estarrecida com a lucidez das tuas palavras e já te peço para ler este texto na primeira oportunidde que tiver sobre o tema. Obrigada Saulo Sisnando. Te amo e admiro o homem que te tornaste...

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