AQUELAS “PEQUENAS” HOMOFOBIAS DIÁRIAS
Dia desses, uma amiga me convidou para ser padrinho do seu filho. Eu aceitei! Não sei bem explicar a razão, mas geralmente eu me dou bem com crianças. Gosto de conversar com elas, de ouvir suas histórias, de jogar videogame e andar de bicicleta. Infelizmente, desta vez, perdi o afilhado... Depois de nascido, a amiga me desconvidou. Ela achou melhor chamar aquele outro amigo hétero que também tem filhos... “ele se encaixa melhor no perfil. Além do mais, você não combina com estas coisas de família. Você faz a linha diferentão!”
No dicionário dela, diferentão deve significar gay.
Pela mesma época, fui impedido de ser padrinho de novo. Mas, agora, de um casamento civil na praia, “Você não tem uma madrinha com quem fazer par.”
É interessante como algumas pessoas ainda pensam que homofobia é apenas espancar gays na rua. Pensam que comportamentos homofóbicos precisam sempre ser extremos, se resumindo a dar soco, chute e quebrar uma lâmpada fluorescente na cara de rapazes que andam de mãos dadas com outros rapazes.
Se não fazem isso... então está tudo certo, estão livres para andarem por aí destilando suas “pequenas homofobias diárias” sobre a desculpa de ser apenas “direito de opinião”.
Homofobia não diz respeito apenas a violência física. As “pequenas” homofobias podem não nos ferir o rosto, não derramar nosso sangue, mas destroem nossa alma, nossa autoestima... Às vezes, nos fazem questionar a própria vida.
E são tantas e tão elaboradas as formas de ter comportamentos homofóbicos, que eu passaria dias descrevendo sem jamais conseguir extingui-los. Mas basta dizer que não há um dia em que alguém não tente me destruir, me humilhar, apenas por se incomodar com o fato de eu ser gay.
Homofobia, por exemplo, é aquela forma escrota com a qual os namorados de suas amigas te tratam e todos fingem não perceber. Homofobia é você ensinar o caminho de volta para um casal de amigos e, depois de se perderem, ele dizer: “aquele viadinho escroto ensinou o caminho errado”. Homofobia é ela rir! Homofobia também é ela te ligar no outro dia para contar, mesmo sabendo que isso te fará muito mal.
Homofobia é perguntarem se você vai levar “seu macho” para a confraternização... Enquanto todos os outros levam os namorados, noivas, maridos e afins.
Homofobia é, antes de você falar em público, alguém dizer que precisa equalizar o microfone para sua voz ficar “melhor”. E isso já aconteceu tantas vezes!
Homofobia é seus sobrinhos não irem para a festa de aniversário da avó porque os seus amigos gays foram convidados. É inventarem mil desculpas para você não levar seu primo menor ao cinema pois, como uma doença, você pode transmitir homossexualidade pelo mais simples toque da sua mão. Além do mais, “o que um gay quer fazer com uma criança no cinema?”
Homofobia é você ter apenas UM amigo hétero e todo mundo se questionar: “mas será que ele é hétero mesmo? Qual a razão de um hétero querer uma amizade gay? ”
Homofobia é morar em um país no qual o candidato diz que “ser gay é falta de porrada” e a maioria o eleger presidente. Homofobia é escutar as aventuras românticas de suas amigas, mas quando você tenta contar as suas, elas ficam “desconfortáveis” e dizerem “Ai, amigo, me poupa dos detalhes”. É achar que gays não amam, gays só transam. É achar que todo artista é viado, mas quando um decide sair do armário é porque está querendo chamar atenção. É falar que você até pode ser gay, só não precisa parecer. É perguntarem quem é a mulher da relação. É ouvir no almoço que a culpa foi do gay assassinado que levou um cara para casa... Mas para onde ele levaria, se apenas é permitido aos gays amar na obscuridade?
Eu até acho que algumas homofobias podem ser “sem querer”, “sem se aperceber”. Quero acreditar que sim! Mas não é por ser “sem querer” que deixam de ser homofobias. Portanto está na hora de se perceberem... de mudarem! Eu jamais seria escritor se eu não acreditasse na modificação pessoal.
Desde que nasci, eu sofro estas pequenas homofobias... Mas, acreditem!, agradeço ao cosmos por isso... por ser tão sortudo e privilegiado a ponto de sofrer apenas homofobias morais, pois infelizmente alguns gays não tiveram a mesma sorte e morreram hoje, espancados, apedrejados, esfaqueados enquanto vocês estão lendo este texto.
Pesquisem no Google a quantidade de LGBT+ que são mortos diariamente no Brasil e façam as contas... Tem alguém morrendo nesse momento!
Torço para que, nessa sociedade tão machista e homofóbica, meu nome continue a transitar apenas pelo círculo dos gays que entram em salas de aula e são chamados em coro de viados, dos que recebem mensagens dos irmãos dizendo “você me envergonha”, dos que ouvem a mãe dizer:“é uma pena porque você não vai me dar netos”.
Pois, enquanto meu nome estiver aí, o meu coração ainda baterá... Mas só até o dia em que o mundo me engolir de uma forma mais cruel e meu nome for parar numa lápide ao lado de Dandara, e Gisberta Salce, e Matthew Shepard, e Luana Barbosa dos Reis, e Mateusa Passarelli, e tantos outros.
Aliás, você sabe quem eles foram?
SAULO SISNANDO
e-mail: saulosisnandoescritor@gmail.com
e-mail: saulosisnandoescritor@gmail.com
07 de março de 2019
*Neste blog e nestes textos, eu estou falando de mim. Sei que a questão LGBT+ e das demais minorias é plural, por isso sou tão pessoal aqui. Espero que outras pessoas se identifiquem, mas entendo aquelas que viveram outras histórias, outras dores, outras guerras.
Estou falando de um tema, mas não ouso falar por todos.
Comentem abaixo, curtam minha página no facebook ou me escrevam.
É interessante seu texto , mas ao le-lo deparei-me com lembranças da infância e adolescência minhas, nas quais a gente não enxergava essas diferenças, não por oculta-las e sim porque não existiam aos olhos dos jovens e adolescentes de Salvador, aí perguntei-me aonde se encontram esses afulos hoje.
ResponderExcluirÉ bem isso tenho filho gay, colegas de trabalho, amigos e vejo exatamente isso as pequenas homofobias diárias diluídas na convivência, só perceptível a quem tem um olhar especial pra essa questão
ResponderExcluirParabéns! Você revigorou minhas forças com esse texto. Só me fez perceber o quanto eu e a minha colega de tcc queremos defender o nosso tema nessa linha de discussão.
ResponderExcluirE muitos ainda dizem que tudo isso é mimimi
ResponderExcluirE muitos ainda dizem que tudo isso é mimimi
ResponderExcluirNossa! Quantas verdades. Me vi em vários cenários desta narrativa. Texto excelente!
ResponderExcluirMeu querido, sua força e discernimento não permitirão que nada de mal te aconteca. Peço perdão por nos heteronormativos, que realmente nos tornamos insensíveis e brutalizamos a condição do outro. Xoxoxo
ResponderExcluirÉ isso!!!
ResponderExcluirSeguindo vc nas redes sociais from now! Deu boas ideias sobre uma criação teatral que preciso fazer para o fim do ano. Gratidão
ResponderExcluirMuito bom. A população LGBTQ+ sofre todo dia. A população hétera ainda não perceberam suas "pequenas" homofobias
ResponderExcluirEu vejo tudo isso, a todo momento, e sinto muito, eu respeisto os homosexuais e defendo qdo tenho a oportunidade, sei que é dificil, mas não desista da tua luta, da luta de todos. Abraço!!
ResponderExcluirOuvir também que fulana é "amiga da minha filha " ao invés de falar NAMORADA...
ResponderExcluirDescrever um funcionário do qual não lembra o nome como "aquele que é meio viadinho"...
Não ser convidado como padrinho de um casamento porque " Gays são promíscuos e esse casal nem vai durar"...
Poderia passar o dia aqui escrevendo essas e tantas outras situações.
Só quem vive e passa isso TODOS os dias sabe o que a reportagem fala.
Hipocrisias nossas de cada dia.Uma lástima.
#sóquempassasabeoqueé
"Eu até acho que algumas homofobias podem ser “sem querer”, “sem se aperceber”. Quero acreditar que sim!" Você pode acreditar que sim... eu sou hétero, e sempre fiz uma ou outra "brincadeira" citada no texto, e algumas outras diferentes, mas parecidas, porém, sempre sem parar pra pensar que eu não deveria, mas eu juro... sempre foi realmente "sem querer" (tanto que nenhuma delas é relacionada a deixar de convidar alguém pra algo, ou pra algum lugar, por exemplo)... porém, é um fato que todo mundo deveria repensar isso e não fazer mais, de um tempo pra cá venho tomando essa consciência e hoje em dia me policio bastante pra que não aconteça, principalmente por que eu vivo num meio onde grande parte da parte da galera é LGBT+ (e acho que por viver nesse meio que eu comecei a perceber q esse tipo de coisa não é legal)... em suma, o que eu quero dizer com meu comentário, é que as vezes conversar resolve esse tipo de conflito diário... quem sabe? acho que não custa tentar... todos estamos em constante evolução, e essa evolução deve ser estimulada sempre. <3
ResponderExcluir👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼 É assim que ocorrem as mudanças... Parabéns!!!
Excluircaramba, que texto! obrigado por compartilhar isso. <3
ResponderExcluirUma pessoa me contando sobre o depoimento do Ray (aquele do Menudo) que eles sofriam abusos do empresário, então ela solta um "coitados dos meninos, ah o Rick Martin tudo bem", eu: OI????? Tudo bem ser estuprado porque? Porque ele é gay? Não teve defesa, foi difícil ter explicar que ninguém merece violência pra alguém que acha tudo bem o estupro de um adolescente.
ResponderExcluirParabéns pelo seu texto honesto e corajoso. Um abraço apertado
ResponderExcluirTexto triste, mas muito verdadeiro. Tudo que eu queria nesse momento era estar perto de vc pra te dar um longo Abraço e dizer que isso vai passar.
ResponderExcluirDe qualquer forma um grande abraço amigo!
Me identifiquei muito com esse texto e me recordei também de qtas homofobias me fizeram.
ResponderExcluirQuerido, não achei nenhuma dessas homofobias pequenas não. Achei gritantes. Sentido, seu texto. Como se o mundo a todo tempo te fizesse sentir menos gente. Não aceite. Você é gente demais, gente que sente, muito mais gente que quem te trata assim.
ResponderExcluirSimplesmente um texto perfeito eu vivo isso dia a dia .É triste saber que a sociedade ao longo desse tempo ainda não evoluiu mentalmente gratidão pelo texto
ResponderExcluirObrigada!
ResponderExcluirSem palavras. A humanidade não é humana😥😥😥
ResponderExcluir. ... E a vida continua, companheiro! Força!
ResponderExcluirMoço que texto maravilhoso. Parabéns, você escreve muito bem
ResponderExcluirPerdão!!! Foi sem querer... Mas por outro lado, já ouvi: nossa, você acha tudo normal!!
ResponderExcluirFalou tudo que estava estalado aqui...
ResponderExcluirFalou tudo que estava estalado aqui...
ResponderExcluirFalou tudo que estava estalado aqui...
ResponderExcluirMinha mãe não me aceita(ela é absurdamente religiosa) e meu irmão fala que eu sou um desgosto pra família. Então, consequentemente eu estou passando mais tempo na casa do meu namorado (praticamente todos os finais de semana)
ResponderExcluirMas minha consciência pesa com o fato de eu não honrar e não "ser um bom filho" sendo que minha mãe sempre fez de tudo por mim.
O que eu faço é errado?
Em aguardo,
Luca
Não é errado se sentir mal por isso, mostra que você possui empatia, o que é bom. Porém, como conselho, seria melhor gerenciar esta empatia para quem realmente te ama, se importa contigo, quem realmente quer seu bem. Se sua mãe realmente te ama ela te aceitará como você é, como você veio ao mundo. Mas lembre-se, há sempre a chance de recomeçar.
ExcluirTexto extremamente significativo real na minha opinião o texto completo e a pura realidade o convívio social nos ensina a sempre tratar com indiferença os que não nos agradam mesmo que sutilmente isso e passado desde a nossa infância enraizada nas pessoas de uma maneira que chega a parecer normal para quem o pratica sem levar em comconsidera a pessoa atingida pela atitude
ResponderExcluirGostei muito do seu texto. Me identifiquei em diversos momentos...Infelizmente é isso mesmo.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, fico aqui tentando mensurar o quando você deve está sofrendo com tanto preconceito para desabafar de uma maneira tão profunda. Só me permita fazer uma ressalva ao termo utilizado por você "Homofobia", que muitos tem utilizado para classificar qualquer tipo de preconceito contra um LGBT+, termo esse que está em tramitação no congresso para tornar crime tal prática. Imagine quantas pessoas estarão presas se englobarmos também na lei os acontecimentos citados por você? Será que vão existir prisões para tantas pessoas? Ja que esse tipo de preconceito é algo enraízado em nossa Sociedade? É a melhor opção criminalizar Todos? Ou deve-se trabalhar e ensinar o Respeito mútuo?
ResponderExcluirFica a reflexão.
Parabéns
ResponderExcluirImpossível não se identificar com o texto.
ResponderExcluirAdorei o texto, mas discordo apenas de um ponto: votar no Bolsonaro não é ser taxativamente homofóbico,tenho amigos que optaram pelo Bozo só para tirar o PT, apenas por isso, cometeram um erro? Talvez, mas estavam extremamente decepcionados, e dentre eles há três amigos gays.
ResponderExcluirBaita texto. Parabéns. Independentemente da orientação sexual todas as pessoas deveriam lê-lo.
ResponderExcluirBelo texto Saulo. Meu primo o publicou no facebook, cliquei e foi uma bela surpresa.
ResponderExcluirEstou a alguns anos em processo de desconstrução. A 10 anos atrás vc encontraria aqui um homofóbico, não desses que praticam violências físicas, mas pequenas homofobias.
Sou muito grato por viver neste momento em que podemos nos libertar dos moldes em que fomos criados.