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ENVELHECENDO A CÉU ABERTO

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Fiquei a fim de um rapaz mais novo, Nada de amor, queria só algo carnal. Ele disse: você era belo, quando moço; Que tal hoje fazer um lifting facial? Cortando e puxando, volta a brilhar, Não vai nem dar muito trabalho. Só cuidado para não ficar Com as sobrancelhas dos Barbalho. Você ainda tem algum viço, Posso facilmente notar, Mas tem muita pele sobre teu olho, Um cansaço… É só isso. Existe fimose ocular? Te acho interessante e até gato, Deve ser esse excesso de vida Que escorre da tua papada. Inteligente, ouve Liniker, lê Gabo, Mas tua idade é como ferida, Que contamina após breve encarada. Queria ter coragem de te beijar, Mesmo que por um minuto. Te admiro, porra!, tenho até tesão, Mas não posso te mostrar. Quem sabe, a sós e no escuro, Mas não aqui no Mangueirão. Fica só com o meu olhar, Que te enxerga com admiração. Mas outro tenho de beijar No show da Batidão. Você é bonito, Malha e pratica esporte. Saia de casa, velhice não é vergonha, Te desejo toda a sorte. Não comigo, Na próx...

FINALMENTE, A MEDALHA ou A TEELA SEM CABEÇA

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  Apaixonei-me pela Ginástica Artística em 1988, quando, pela primeira vez na história, o Brasil levou uma atleta para as Olimpíadas: Luísa Parente. Eu tinha apenas 10 anos. Apesar de toda a empolgação de termos uma representante em Seul, os olhos estavam voltados para a disputa entre Yelena Shushunova, da União Soviética, e Daniela Silivaș, da Romênia. Meu pai, também entusiasta da ginástica, sentava-se na poltrona, e eu, no chão, e juntos assistíamos àquela rivalidade. Eu torcia para Shushunova, com seu solo impecável ao som de um tango, e ele para Silivaș, com sua entrada peculiar na trave de equilíbrio. Silivaș — e meu pai — eram elegantes, enxutos e longilíneos, enquanto Shushunova — como eu — era visceral, intensa e apaixonada. Nossa relação de pai e filho sempre foi marcada por essa diferença estética: ele sempre leu Erico Veríssimo, e eu, Clarice Lispector. Lembro que gravamos as competições daquele ano em uma fita VHS e, depois disso, passei a assistir repetidas vezes ...

PARA AQUELE RAPAZ DO ÔNIBUS.

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  Algumas pessoas se apaixonaram pelo primo mais velho. Outras, pelo professor de artes. Muitos, desenvolveram paixonites sofridas pelo amigo hétero, e amargaram em segredo a obrigação de manterem os sentimentos aprisionados. Vibrando e suspirando veladamente, cada toque de joelhos – enquanto estudavam para a prova de matemática – a cada cheiro, que permanecia após o abraço de despedida. Eu, por outro lado, sempre ultrarromântico, era do tipo de me apaixonar perdidamente no ônibus. Lembro-me, como se fosse hoje, a primeira vez na qual me apaixonei por um rapaz no ônibus. Era início dos anos 90, eu devia ter uns 15 anos, e era fim de tarde, com   céu daquela cor romântica a pintar sempre as histórias de amor passadas. Peguei o coletivo em frente ao colégio Marista e sentei na primeira poltrona, logo após a catraca. Pela idade, decerto, eu estava pensando no meu novo livro jamais escrito nos moldes de Sidney Sheldon. E entre pensamentos sobre autógrafos e bestsellers, meus...

Coração Bravio

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Para Dimas Por seres um homem de coração bravio, tua alma precisa das carícias do vento, da pequena cidade, do peixe pescado no rio, do olhar dessa gente animada, mesmo em desalento. Porque és um homem criado no mato, usas esses chapéus de cowboy e botas de vaqueiro, e comes sempre em pé e falas alto como se trouxesses na voz a alegria do mundo inteiro. Como és um menino tão simples e ingênuo dizes 'eu te amo' em silêncio, sem retorno, numa tentativa de quebrar um pai distante capaz de amar apenas em silêncio sereno Meu irmão, Tu tens o sangue peão correndo nas veias e montas teus cavalos rumo ao azul tão puro onde não és pai ou filho, rico ou pobre, noite ou dia, és apenas um menino que não pensa no futuro. E o 'eu te amo' nunca respondido, é ouvido na brisa que balança a crina teu cavalo em fuga pois o amor de um pai, está nos botões da camisa nos ensinamentos e canções que deixou na tua vida. O amor de teu pai,  irmão,  vive nos botões de tua camisa. Saulo Sisnando 2...

POEMA DA ATRIZ

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 Para Sylvia Bandeira Aniversário de uma grande atriz é data sem razão, Como medir uma vida se tantas existências a fazem? Se o corpo é apenas vagão de um longo trem em viagem onde almas provisórias sobem e descem a cada fria estação As gares se vão, o vento muda, mas seu tempo não escoa, Pois sua irresistível beleza vem da sabedoria da personagem, Que partiu, na névoa, deixando fragmentos de ficta pessoa Como armas para enfrentar a vida de forma mais bela e selvagem Esse dia, é tua coração de rainha hora de grande aclamação, Quando, após derradeira linha, volta para o último aplauso, Ciente da força estimulante de sua magistral interpretação Criando um desconhecido universo Feroz e gentil, de onde é impossível sair sem aberta e pulsante cicatriz A marca profunda e em brasa do seu visceral talento de atriz. Saulo Sisnando 15 de fevereiro de 2023.

AMOR NEGADO

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  Quisera eu ter um avião Para que, onde tu habitas, o firmamento Pudesses professar as alegrias do teu coração Pedindo teu amor, teu homem, em casamento.   Quisera eu ter um país só meu, Erguido não por cima normas frias, Mas sobre as leis do amor, da empatia, Para que pudesses viver, não regalias!, Mas a igualdade do ser eu.   Logo a ti, menino viajante, Tu que tens as asas de Ícaro, Foi negado o direito derramar na altura do sol nascente, Teu amor, teu desejo, tua paixão ardente, Tua fidelidade de cisne, comprometida com teu par Como um pássaro a percorrer, infinitamente, Toda a distância do mar.   Mas calma, menino amante, Pois, diverso de Ícaro, Não despencaras sobre o Egeu, mar gigante, Morto, combalido, em brasa ardente Pois, nas tuas asas de pássaro, Existe a força de um povo, uma nação, Que ouve o teu lamento triste Como um convite para a luta, uma intenção, um brado ensurdecedor e vibrante, Para que o ...

Lagoa Seca

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  De todas as minhas lembranças, esta a mais bela. Uma velha ouvindo rádio, uma solidão, um penico... O último quarto de uma casa amarela.   O cheiro da grama molhada de manhã, Os gafanhotos insensatos, voando e fazendo barulho; O jardim cheio de rosas. Os pés de romã.   O vira-lata mancando, com nome de vitória O pé de seriguelas de doces frutos a cair no chão; A lenda do cachorro fantasma na noite de lua cheia.   Os bancos com pés em formas de cavalos, Onde conversamos sobre sonhos jamais realizados; Os vaga-lumes piscando em breves estalos.   Nenhum céu, de nenhum lugar, tem mais estrela, Que o céu da Lagoa Seca, do sertão do Ceará, A mais bela e irretocável celeste aquarela Que Deus foi capaz de pintar.   Mas hoje tudo é cimento, cinza, altos prédios. Da casa amarela, nem o penico resta no lugar O perto, ficou longe. Abraços quentes... agora, frios Mas a memória continua e invade... violenta... como o mar....