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Mostrando postagens de dezembro, 2010

Holy Bible

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Não se encontraram por acaso. Seus destinos – escritos por mãos de deuses analfabetos – jamais permitiram que a sorte lhes presenteasse com tal fortuna. Acharam-se por insistência. Era a sexta vez que ele pedia para que lhe mandassem a melhor de todas. Mas, nesta solitária data, enquanto todas as melhores se perdiam bêbadas entre taças de sidra e fogos de artifício, mandaram-lhe a única moça disponível. Ela tinha olhos marrons, que denunciavam sua origem humilde, e seus sintéticos cabelos vermelhos traziam uma dignidade engraçada que, despretensiosamente, realçavam suas bochechas salientes e deixavam seu rosto encantador. Viera para a cidade com um objetivo certo: conseguir dez mil para custear os gastos com a mãe – uma mulher magra com um enorme tumor que enchia o estômago. Na despedida, olhou para o pai e, de lábios finos, disse para não se preocupar. “Serei atriz profissional”. O pai abraçou-lhe com pesar. Ele sabia o que significava ser atriz, mas, como deixara a dignid

A culpa é do signo

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"Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra" Caio Fernando Abreu "Amor, meu grande amor Não chegue na hora marcada" Angela Rô Rô e Ana Terra Não posso falar nada acerca dos homens. Deles, não entendo patavinas! Mas sobre nós, as mulheres, possuo vasto conhecimento e, por isso, sei que temos a mania terrível de inventar desculpas. Comemos potes de sorvete porque estamos um pouco deprimidas (afinal, nós odiamos sorvete). Compramos sapatos porque detestamos nosso chefe. E gastamos uma fortuna naquele vestido (que, aliás, até se parecia com aquele outro), não porque somos malucas por uma liquidação fajuta, mas porque fomos convidadas para uma festa na qual o nosso ex também foi convidado e temos de aparecer por cima da carne seca. Nós sempre inventamos pretextos ridículos. E, de todos, o mais recorrente é a desculpa astrológica . Sim, a culpa é do signo! A culpada é a minha mãe que, doida de pedra, de

Mentiras

Sim! A cada dia surge uma nova coleção de mentiras. Dentre todas, as piores são aquelas que contamos para nós mesmos, antes de dormir. Cochichamos inverdades no escuro, que tentam nos persuadir a acreditar que somos felizes. Ou que o outro é feliz conosco. Vezenquando queremos crer que conseguiremos mudar nossas imperfeições e que, de igual modo, o outro poderá mudar por nós. Convencemo-nos de que podemos conviver em paz com os nossos pecados ou que, em último caso, podemos nunca mais voltar a praticá-los. Sim! Todas as noites, antes de cair no sono, mentimos baixinho, numa esperança louca de que, ao amanhecer, tudo terá se tornado verdade. Livre tradução de um excerto de Desperate Housewives

Uma história sem meio

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inspirado pela foto de Diane Arbus. COMEÇO : Sempre quis ter gêmeos. Quando, de sua derradeira barrigada, nasceu uma filha solitária e desgarrada, não se deu por vencida: arrancou o braço da menina e criou-o como se fosse gente. E, como pares, cresceram: uma mais que outra. Vestiam-se como cópias, estudavam no mesmo colégio e, na adolescência, juntas, descobriram o sexo, posto que a mais alta não conseguia se masturbar sem a pequenina. Construíram um relacionamento incestuoso que durou a juventude e, ressurgia vezenquando, nas noites de solidão com os maridos viajando. FIM : Morreram no mesmo dia, em cidades diferentes. Nesta coincidência macabra, que sempre abraça os que são binários. Uma estava velha e enrugada. A outra, podre. Foram postas no mesmo caixão. Lado a lado. Acomodadas num enlace sexual perfeito. E, finalmente, a velha sem braço pode, na longa jornada rumo ao pó, ter o contrapeso do membro que, embora tivesse sido arrancado no nascimento, lhe havia fisgado ausen

Toalha de retalhos

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Fui eu mesma quem remendou aquela toalha que está sobre a mesa. Ela estava rasgada fazia tantos anos! Procurei por todos os cômodos da casa um pedaço de tecido da mesma cor e mesma textura e recortei no tamanho exato da fenda,que os ratos tinham feito. Malditos roedores! Lembro-me de todos! Sentei-me na cadeira e costurei, costurei com bastante cuidado e esmero para que não se pudesse ver a linha, perdida na própria textura do tecido. Fiz tudo sem pressa, para que ficasse perfeita. Os talheres talvez não fossem de ouro. Mas brilhavam como. E os pratos eram antigos, porcelana guardada num baú de família. Abri a velha arca, com uma dor de quem invade privacidade de si próprio, e limpei os pratos um por um. Voltaram a ser alvos, cheios daquelas rachadurazinhas de porcelana antiga. Um espelho branco, frio. Uma face distorcida no reflexo da luz. Tudo estava pronto! Uma meia luz trazia o clima de cinema antigo. A música era a mais bela que pude encontrar. Tudo estava perfeito, tenso,

Vou esperar

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(talvez) Um dia tu dirás que me ama Vou esperar... Mesmo que este dia esteja longe Vou esperar tu encostares em meu peito e teres vontade de dormir Da mesma forma como eu me aconchego nos teus abraços... Sentindo-te como ninho, cama. Enlaçando-te fortemente com braços nus e sentindo-te contra mim Quente e macio. Vou esperar! Vou esperar quietinho um dia tu me admirares Como eu admiro os passos de tua dança Esperar tu encontrares nos meus lábios a suavidade que encontro nos teus Ao mesmo tempo em que nossos cílios se tocam Piscam e nossos olhos se enxergam tão de perto... Pretos. Vou esperar cada abraço teu... Cada boa noite antes de dormir Como se essa fosse minha prece, Meu caminho para o céu, minha salvação! Esperar pacientemente o meu corpo se encontrar ao teu Um dia, quem sabe? Belamente... Completamente... Ser apenas um. Esperar o amor surgir nos teus olhos grandes e negros Esperar que me olhes cada vez como uma primeira vez... Apaixonando-te de novo.