PARA AQUELE RAPAZ DO ÔNIBUS.

 


Algumas pessoas se apaixonaram pelo primo mais velho. Outras, pelo professor de artes. Muitos, desenvolveram paixonites sofridas pelo amigo hétero, e amargaram em segredo a obrigação de manterem os sentimentos aprisionados. Vibrando e suspirando veladamente, cada toque de joelhos – enquanto estudavam para a prova de matemática – a cada cheiro, que permanecia após o abraço de despedida.

Eu, por outro lado, sempre ultrarromântico, era do tipo de me apaixonar perdidamente no ônibus.

Lembro-me, como se fosse hoje, a primeira vez na qual me apaixonei por um rapaz no ônibus. Era início dos anos 90, eu devia ter uns 15 anos, e era fim de tarde, com  céu daquela cor romântica a pintar sempre as histórias de amor passadas.

Peguei o coletivo em frente ao colégio Marista e sentei na primeira poltrona, logo após a catraca. Pela idade, decerto, eu estava pensando no meu novo livro jamais escrito nos moldes de Sidney Sheldon. E entre pensamentos sobre autógrafos e bestsellers, meus ouvidos foram capturados pelo som da catraca girando. E, naquele instante, vi o rapaz mais lindo do mundo.

Não sei qual o acordo cósmico Deus faz com a equatorial para sempre fazer nossas paixonites se iluminarem de uma maneira diferente. E naquele ônibus, branco e asséptico, o rapaz era iluminado por luzes incandescentes.

Sentado algumas cadeiras a frente, de alguma forma, eu também parecia estar com outra iluminação aos seus olhos, pois de tempos em tempos, ele virava o pescoço para trás (mas não como em o exorcista!) e soltava um sorrisinho de canto de boca.

Ele tinha cabelos pretos, partidos para o lado, e sua pele era branca, não pálida como a minha, mas daquela cor adorável que, no primeiro raio de sol, ganhava cor dourada. Os cílios eram enormes (meu deus, eu amo cílios) e a bunda estava apertada em uma calça jeans de lavagem clara. No torso, ele vestia uma bata, mostrando que estava no terceiro ano, portanto, um pouco mais velho.

Ficamos naquele jogo de olhares por vários minutos, quando, então, ele se levantou, puxou a cordinha e aquele enorme ônibus parou. Naquela época, os passageiros desciam pela porta dianteira, então pude ver com perfeição ele fazendo um breve movimento de cabeça, dizendo para mim: “Vamos? Desce comigo?”.

Mas não consegui.

Fiquei petrificado na poltrona. As pernas tremendo. As mãos agarradas na cadeira da frente, como se tivessem criando coragem para dar um impulso e descer junto.

Ele ficou ainda parado uns segundos na porta. Segundos que, cá entre nós, duraram uma eternidade. Então, diante da negativa de meu amor, ele desceu e, quando o ônibus arrancou, ainda consegui vê-lo parado, na calçada, vendo-me pelo vidro.

No desespero, ainda tentei escrever meu nome e telefone em uma folha de caderno, para arremessar pela janela, mas os segundos que Deus roubou há pouco congelando-o na porta do coletivo, foram cobrados de volta, e rapidamente o rapaz desapareceu de minha vista.

Em casa, durante a noite, não conseguia pensar em outra coisa, senão no rapaz do ônibus. E, assim, no dia seguinte, fui ao mesmo ponto no qual ele descera na noite anterior.

Como eu era muito tímido (eu ainda sou... um pouco), levei meu nome e telefone escrito em um pedacinho de papel. Assim, se eu não tivesse coragem de falar com ele, apenas passaria ao seu lado e deixaria cair o papel... displicentemente... como quem não quer nada.

Mas naquela noite, ele não chegou de ônibus.

Nem na noite seguinte. Nem na outra.

Fiquei fazendo aquela peregrinação por uma semana, porém nunca mais o encontrei.

Sumiu. Para sempre.

Aos que estão curiosos para saber onde fica esse ponto de ônibus, eu digo: fica ali na Avenida Almirante Barroso, bem em frente à Casa da Juventude Católica. Enquanto eu o esperava, aliás, eu olhava para a CAJU e me perguntava se Deus aprovaria minhas ações. Às vezes pensava que a Casa da Juventude estava me protegendo dos meus desejos nefastos.

Vocês sabem... todas essas bobagens que passam em nossa cabeça na adolescência... antes de descobrirmos que há mais deus em um beijo de amor do que em uma igreja.

Ainda moro pelas bandas da Almirante Barroso, por isso, quase todo dia eu passo ali naquele ponto de ônibus. Não o procuro mais, apenas torço para que, como eu, ele também esteja bem.

E amando.

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