Quando meu pai decidiu amar o filho gay.




Eu não sabia, mas sempre amei demais o meu pai. Minha mãe conta que, quando eu tinha 4 anos, toda vez que ele saía, eu fechava a mão com força e só abria quando ele voltava para casa. Levaram-me a psiquiatras, neurologistas, médicos de toda espécie, porém logo descobriram que, em vez de uma doença, eu sentia apenas saudade.
Meu pai começou a ficar mais tempo em casa, largou o cargo que o obrigava a viajar e eu nunca mais fechei a mão. Ela ficou aberta, como se estivesse sempre esperando um aperto, um carinho, um simples toque... mas nunca veio!
Eu e ele nunca conseguimos ser próximos. Eu tinha a impressão de que não éramos chegados porque ele não queria encarar a verdade... Não queria ver que tinha um filho gay.
Na adolescência, para tentar uma aproximação, minha mãe insistiu para ele me levar todos os dias ao colégio antes de ir ao banco no qual trabalhava. Não era um longo caminho, mas passávamos uns 20 minutos enclausurados naquele carro silencioso... Ele não dizia nada... E eu não falava também...
O tempo foi passando, passando, e o silêncio foi aumentando entre nós. Meu desespero era tão grande, que comecei a ler os livros dele e decidi gostar dos filmes de Ingrid Bergman e faroestes do John Wayne só para sentarmos pertinho por 1 hora e meia.
Mas ninguém – nem mesmo os maiores astros de Hollywood – conseguiu nos fazer pai e filho.
Então ficamos mudos... silenciosos... afônicos. E, com este dom que temos de sobreviver às situações mais extremas, misteriosamente parou de doer... e eu parei de sofrer.
Tempos depois, quando minha mãe descobriu que eu era gay, ela me pediu:
“Eu aceito você como você é. Só peço para nunca contar isso para o seu pai. Ele não vai aguentar”.
Eu aceitei. Ora, seria fácil não falar a verdade para um homem com quem eu nunca conversava.
Mas um dia, muitos anos depois, uma amiga contou para minha tia que eu era gay e que o L. – aquele rapaz adorável – era meu namorado.
Pronto, tudo virou um inferno!
Quando meu namorado entrava, minha tia se retirava. Quando ele se sentava à mesa, ela se levantava. Um dia, ela disse:
“Não quero que você coma com a gente. Essa casa não aceita gente como você”.
Meu pai ouviu calado.
Num domingo, essa mesma tia criou coragem e perguntou: “Vem cá, o L. é teu namorado?”
Meu pai estava na sala. Respirei fundo, lembrei-me da promessa feita há 15 anos, e respondi: “eu prometi para mamãe jamais tocar nesse assunto na frente do meu pai”.
Ele, então, tomou a dianteira e disse:
“Ora, M., deixa de besteira. É claro que é namorado dele! Tudo mudou. O mundo não é mais o mesmo de 60 anos atrás. Você sabia que o Primeiro Ministro de Luxemburgo levou o esposo para uma reunião na Otan e apresentou o rapaz para todo mundo como ‘Primeiro-Damo’? Fizeram o maior sucesso!”
 Eu fiquei atônico. Como envolveram a Otan nisso? Minha tia tentou argumentar, mas meu pai interrompeu:
“Nós somos velhos. Meu filho [apontou para mim] é a alma desta casa. Aqui está sempre cheio de gente fazendo bagunça. Eles fazem festas de aniversário, ensaiam as peças, trazem os filhos, conversam com a gente... nos fazem companhia! São tudo gente boa. São todos meninos do bem. Se eles forem embora, nós ficaremos sós, presos no passado. A gente só está vivo até hoje, por causa dele”.
E então com quase 40 anos, eu soube do seu amor por mim. Ouvi, finalmente, ele me chamar de “Meu Filho”. Hoje, sem dúvida,  sei que o amo... E o amarei para sempre. Meu pai me deu – e a todos os gays – o maior presente, a certeza de que é possível mudar e a garantia de que, aqui, no Brasil, há um senhor de 80 anos que só está vivo por causa do espírito e do carinho de seu filho gay.

Saulo A. Sisnando
24 de janeiro de 2019
*Neste blog e nestes textos, eu estou falando de mim. Sei que a questão LGBTI+ e das demais minorias é plural, por isso sou tão pessoal aqui. Espero que outras pessoas se identifiquem, mas entendo aquelas que viveram outras histórias, outras dores, outras guerras
Estou falando de um tema, mas não ouso falar por todos.
Comentem abaixo, curtam minha página no facebook ou me escrevam saulosisnando@hotmail.com

Comentários

  1. É sempre emocionante ler os teus textos, mas, esse foi mais.

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  2. Emocionada! Amar é mágico, pena que as pessoas evitam amar! Linda história de vida!

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  3. O triste é que, na maioria das vezes, o final não é feliz. É mais comum as mães, do que os pais aceitarem. Quem não aceita está perdendo a oportunidade de não conviveram com um filho ou parentes gay, os que conheço são ótimos e muito inteligentes. Então...

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  4. Texto maravilhoso! Linda atitude do seu pai! O amor também e silencioso!

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  5. Adorei a atitude do seu pai, demostrando seu amor com a alma.

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  6. Grandioso pai. Com 80 anos e um coração grandioso.

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  7. Seu texto me arrepiou!Que mostra maravilhosa do mais sincero amor paternal.

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  8. Aguardo ansiosamente pelo dia q terei meu pai me apoiando.

    Sou bi, ja comentei com ele... E o que ele me diz e: -tome jeito, que não da pra ser homem e viado ao mesmo tempo.

    Eu fico rindo disso kkkk mas é tenso...

    Amei o texto... Até chorei aqui...

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