O misterioso desaparecimento de Deborah Rope


texto do programa da peça - junho/2011
Numa nublada quarta-feira de agosto, em 2007, estreava o espetáculo “Útero – Fragmentos Românticos da Vida Feminina”. A peça era esquisita e pobre de dar dó – recheada de bancos de plástico e adereços comprados em camelôs e lojas de 1,99. Mas era uma peça cheia de vontade... Cheia de tesão! E há algo melhor do que o tesão, para tapar as lacunas de uma produção humilde?
E depois do Útero, seguiram-se a depravada “popPORN”, a romântica “Cartas para ninguém”, a vulgar “TRASH”, a desmiolada “Quatro vs. Cadáver” e a elegante “O incrível segredo da Mulher-Macaco”.
Mas a verdade é que... Quem seria louco de pensar, que neste curto período de tempo, o nosso teatro acabaria sendo objeto de estudo de uma dissertação de mestrado?
Pois aqui está “O misterioso desaparecimento de Deborah Rope”, parte integrante de minha dissertação, que versa sobre “como o cinema americano pode modificar um espetáculo teatral”.
Ter sua peça como objeto de uma dissertação limita algumas coisas; noutras palavras, é um “pé no saco”! Afinal meu jeito tresloucado de dirigir precisou ceder lugar ao “super-pensado” e ao “hiper-justificado”.
Tudo na peça significa! E se justifica nalguma chatíssima rede de pensadores e teóricos: o elenco é duplo para garantir uma edição cinematográfica; as interpretações são afetadas; as cores inexistem; o elenco fala tudo de frente, como se estivessem diante de uma câmera de cinema, etc.
Não sei se o público vai gostar. Alguns torcerão o nariz para o sangue excessivo. É, sem dúvida, uma peça macabra. Não sei, muito menos, se fará sucesso como todas as outras... Porém isso é algo que jamais pude prever mesmo.
Mas é uma peça amada. E apesar de não haver tanto riso, tanta loucura e tantas cores berrantes como nas minhas outras peças, Deborah Rope está conectada às minhas demais obras por motivos que, embora estejam além do palco, são visíveis em cena. E é nesse “invisível-visível” que reside nosso sucesso. Deborah Rope, como popPORN, Cartas para Ninguém e Útero, é uma peça alicerçada sobre o amor. O meu amor! O meu amor pelos meus amigos, que, por serem meus amigos, sempre entram em cena nessas peças malucas.
Podem acreditar, a grande qualidade do Deborah Rope, mais do que qualquer dissertação poderá dizer, é ver em cena: 1) o grande amor de minha vida Flávio Ramos; 2) a minha diva escorregadia Marta Ferreira; 3) a minha comadre Gisele Guedes.
Afinal um diretor é inútil se não houver atores. E um dramaturgo não vive se suas falas não forem ditas. Enfim, eu sou o supérfluo deste espetáculo. Todo o ouro é deles!
Por isso, não importa o que vai acontecer com esta peça. Não importa se o público vai gostar... Pois o que vale mesmo é terminar a peça e ir comer pizza no “Santa Pizza” com eles. O que interessa é voltar pra casa e saber que, mesmo que tenha dado tudo errado em cena, eu ainda serei amado pelos meus amigos-atores.
É!... É mesmo uma pena que a platéia só possa assistir o final de tudo, pois o verdadeiro espetáculo esteve no percurso. Nas caminhadas pelo comércio com a Dina... Nas mãos sujas de tinta a óleo do Rony... Nas brigas... Nas reconciliações...
A verdade é que não sei para onde os anos me levarão. Não sei se serei o próximo autor de novelas da Globo, nem se meu teatro já deu o que tinha de dar. Não sei se, daqui a cinco anos, estarei no Rio, ou no Nepal, ou em São Francisco, ou em Belém. Não importará no futuro se minhas peças foram boas ou ruins. Decerto nem me lembrarei amanhã se o Deborah Rope respondeu satisfatoriamente as minhas hipóteses teóricas. Pois nada que ocorra fará com que esta peça deixe der ser apenas uma peça. O que realmente importará é que, no futuro, eu terei fotos... Terei lembranças compartilhadas... E terei amigos tão amados, que me acompanharão e me amarão, mesmo que eu decida ser cozinheiro... Ou pintor... Ou advogado.
Esta peça, portanto, não é para mim. Nem para o público. Esta obra de arte é um presente para os meus amigos, que eu tanto amo.

Saulo Sisnando (30.05.2011 às 21h41min)

Comentários

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