o conto triste de quem ficou
Hoje faz dois anos que tu morreste, meu amor. E embora dois anos pareça
muito tempo, na nossa casa nada mudou. Os móveis estão no mesmo lugar de
sempre, as paredes ainda estão pintadas de azul. Tudo esta igual! E eu... eu ainda
continuo dormindo apenas do lado direito da cama e, às vezes, me pego colocando
dois pratos na mesa.
O canário morreu!... mas já comprei outro para pôr na gaiola. Os
peixes... sempre compro da mesma espécie: são cinco peixes dourados e dois
daqueles miúdos. Um aquário, um universo permanente. Estático.
Eu emagreci um pouco, as roupas ficaram frouxas e eu tive que comprar
novos vestidos. Todos vermelhos!, pois era a cor que tu sempre disseste que me
caía bem. Ainda ando com a aliança presa no dedo.
Semana passada aconteceu uma coisa engraçada. Fui ao médico e, na saída,
ele mandou lembranças para ti. Não tive coragem de dizer que já tinhas morrido,
meu amor.
O telefone parou de tocar. Nossos amigos não ligam mais... não perguntam
mais se estás melhor... nem dizem que, com certeza, não passaria de uma gripe e
que logo logo estarias de pé.
Vou a tua cova duas vezes por semana. Sempre levo livro de poemas de
Neruda e sento a lê-lo para to. Já li dezenas... centenas... milhares de
vezes... e estarei disposta a ler mais outras inúmeras.
Tua mãe me liga de vez em quando, geralmente aos domingos, me convidando
para almoçar; mas eu nunca vou!
E todos os dias quando volto para casa depois do trabalho, sempre evito
passar em frente àquele campo, pois sempre acho que vou te ver correndo, com
teu corpo elástico recortando o horizonte. Prefiro dar a volta no quarteirão e
passar em frente à barbearia onde sempre cortavas teus cabelos. Mas a verdade é
que por onde eu ande e para onde eu olhe sempre há lembranças tuas.
Os porta-retratos na estante, os quadros mal pintados pendurados no
corredor. O Morro dos Ventos Uivantes ainda guardado na mesinha de cabeceira...
e os óculos para perto que ainda marcam a página 171.
O teu guarda-roupa está intocado. Eu ainda me visto de vermelho e me
pinto toda para sair para jantar às sextas.
Me deixaste tão só. Não tenho para quem dizer ‘Boa-noite”... nem preparo
mais o café para dois. Me deixaste tão só sem que eu tivesse chance de aprender
a caminhar sem te ter.
Me deixaste tão só, meu amor, que eu nem sei mais o que é viver!
Morte sempre longe e ao mesmo tempo tão perto de nós.
ResponderExcluirMorte sempre longe e ao mesmo tempo tão perto de nós.
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