SEJA O GAY QUE VOCÊ QUER SER

Essa semana, divulgaram no Facebook uma lista com, supostamente, os gays mais malvados da minha cidade. É incrível como o tempo passou e, no mesmo passo em que evoluímos tanto em alguns aspectos, continuamos tão iguais e idiotas em outros. 

O que passa pela cabeça de um gay para fazer uma lista expondo outros gays? Será que agora ele (ou ela) está em casa, se sentindo a pessoa mais inteligente e esperta do mundo por ter exposto pessoas sem ser descoberto? 

Bom, essa pessoa pode se sentir muitas coisas, mas jamais poderá se sentir "original".

No início dos anos 2000, houve uma extensa lista com nomes de gays ditos malvados... obviamente os gays atingidos naquela época eram outros... Foi um pandemônio! 

Se hoje em dia, já é ruim ter seu nome exibido numa lista destas, imaginem há 20 anos. Tempos mais tarde, saiu outra lista, na qual constava não apenas nomes, mas fotos de rapazes nus, feitas por um mau caráter que, se sentindo o "macho alfa", achou correto expor os passivos com quem transou em seu apartamento.

Ou seja, pouca coisa mudou e, de tempos em tempos, essas listas saem para escalonar níveis de gayzisse... Eu sou gay, você também... mas você é mais malvado que eu, eu sou mais macho que você, você é mais gay do que ele, e por aí vai.

Na mesma semana em que a tal nova lista foi divulgada e inúmeras vezes compartilhada nos Facebooks de minha cidade, um figurão do Instagram se assumiu nas redes sociais. Ora, numa era bolsonariana, assumir a homossexualidade em público é louvável. Porém, depois de sair do armário, ele teve a infeliz ideia de se orgulhar por ser um Gay Macho. Ok! Ok! Bem-vindos a mais um escalonamento dos gays... O gay macho é menos bicha que o gay afeminado. 

Segundo os stories do seu Instagram, ele se orgulha da quantidade de famílias evangélicas que o amam... eu acredito... afinal... ele é um gay macho!

Os homofóbicos precisam entender que não queremos ser aceitos por ninguém por sermos Gays Macho... queremos ser aceitos pelas pessoas simplesmente por sermos gente!

Quando me assumi, uma pessoa me disse: "olha, só não vai ficar desmunhecando por aí!" 

É aquela velha história, eu te aceito desde que você seja do jeito como eu quero que você seja.

Durante as eleições presidenciais, eu comentei com uma colega – aliás muito instruída – sobre medo da violência contra a comunidade LGBTI+. A pessoa, numa calma assustadora, tentou apaziguar meu coração, dizendo:

"Não se preocupe, você vai a ótimos lugares, anda de carro, tem um bom trabalho. Não vai acontecer nada com você".

Ela parece não saber o significado da palavra "empatia". Se não está me atingindo, para que me preocupar?

É muito fácil para mim, com meu carro, meu emprego, minhas oportunidades, me esquivar das lutas, pois o meu lado está "aparentemente" seguro. E cadê a aquela parte do "ninguém solta a mão de ninguém?"

É muito cômodo para o empresário e "Rei dos Stories" se assumir gay, mas dizer: não estou nem aí para os que usam salto, pois"eu sou um gay macho".

Nós temos sim de "estar aí" para os outros gays. Precisamos perceber nossos privilégios e entender que os donos dos próprios narizes, os que não dependem dos pais homofóbicos, os empresários, os artistas, os que são amados pelas famílias evangélicas radicais precisam empaticamente lutar por tantos que não tem voz e são invisibilizados por nossa sociedade machista. 

Por ser gay, e por ter entrada em lugares onde a maioria não alcança, ele deveria não tirar o seu corpo fora por ser um Gay Macho, mas lutar por tantos que se orgulham de serem apenas gays.

Precisamos estancar o que nos divide. É necessário parar com a imbecilidade desta escala da homossexualidade, na qual o gay macho tem mais pontos que gay afeminado ou o ativo é mais homem que o passivo.

Temos de parar de pensar que "se todos os homens gays fossem masculinos, eles seriam mais aceitos". Não devemos dar esse crédito aos homofóbicos e lutar para sermos o que eles exigem que sejamos. Temos de nos unir e batalhar, todos – os masculinos, os afeminados, as travestis, os trans, as trans, as masculinas, as femininas, etc. – para sermos aceitos como somos sem precisar nos encaixarmos em exigências alheias.

Mas para que isso aconteça, nós mesmos temos de aceitar nossas diferenças. 

Podemos brigar um com o outro, ficar com raiva, xingar, mas em hipótese alguma publicar uma lista expondo gays, porque homossexualidade não é/não deveria ser ponto fraco de ninguém. 

Temos de acabar namoros sem correr o risco do ex postar nossa foto sendo passivos, porque ele acha que isso nos faz mais gays do que ele. Se entendermos – todos juntos – que não somos inferiores aos héteros, estas listas deixarão de fazer sentido. Pois não são menos gays aqueles que se parecem mais com os héteros. 

Deixemos bem claro: héteros não são melhores que os gays... e passivos não são mais gays que os Gays Macho.

Defendamos uns aos outros e não uns dos outros. 

Não compartilhemos estas listas, não ouçamos histórias que diminuem outros gays. Busquemos histórias positivas sobre as pessoas. Estamos no mesmo barco!

E, jamais, jamais!, nos exijamos ser Gays Macho... nós somos lindos sendo qualquer gay que sejamos. 

E se alguém não entende isso... o problema está nele e não em nós. 

SAULO A. SISNANDO
e-mail: saulosisnandoescritor@gmail.com

07 de fevereiro de 2019

*Neste blog e nestes textos, eu estou falando de mim. Sei que a questão LGBTI+ e das demais minorias é plural, por isso sou tão pessoal aqui. Espero que outras pessoas se identifiquem, mas entendo aquelas que viveram outras histórias, outras dores, outras guerras.

Estou falando de um tema, mas não ouso falar por todos.

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